*Por
Allysson Martins.
A
nova cobrança é que os docentes de ensino superior sejam divulgadores
científicos, além de professores, pesquisadores, extensionistas e gestores
administrativos. O questionamento aumentou desde que os influenciadores
digitais têm ocupado os espaços que estavam nas mãos dos jornalistas,
profissionais treinados para realizar a tradução de fatos, inclusive os
científicos. A exigência, no entanto, não apareceu apenas durante a pandemia da
COVID-19, quando as aulas foram suspensas na maioria das instituições públicas
de ensino superior do país e do mundo.
O
ensino é apenas uma das atividades que cabem aos professores das universidades
públicas brasileiras. Em tempos atuais, provavelmente, é a função que menos
exercessem no cotidiano. Essas instituições adquiriram outros dois papeis que
lhe dão sustentação: pesquisa e extensão. A produção do conhecimento científico
e a aproximação com a comunidade se tornaram obrigações dos afazeres dos
docentes. Além desse tríade basilar das universidades, acumulam serviços
administrativos, dividindo-os com os servidores técnicos, e trabalhos como
pareceres, relatórios, prestação de contas, entre outros.
A
exigência pela propagação adequada do conhecimento científico desconsidera o
que os professores universitários já realizam em seu ofício, inclusive com a
circulação dos resultados das pesquisas em eventos para esta finalidade e em
entrevistas, mesas redondas, debates públicos e afins. Essa nova cobrança,
todavia, não é recente e surge de diversos setores sociais e espectros
políticos. Quem está mais à direita assevera que há excesso de investimento
público para esse nível de formação, em detrimento do retorno obtido. Mais à
esquerda, argumenta-se que estes profissionais estão distantes da população, em
virtude de uma arrogância científica.
De
um lado ou de outro, pouco se pontua qual é, realmente, a expertise e o ofício
dos professores das universidades, para que, de fato, serve esta instituição e,
principalmente, quem deveria difundir o conhecimento científico. Se os
jornalistas não assumem o papel de propagar as pesquisas produzidas, há
problema que essa função seja assumida por influenciadores digitais? É certo
que essa mediação seja realizada por quem possui melhores competências
comunicacionais e que sejam cobrados investimentos nesse sentido, inclusive,
nas instituições de ensino superior. Porém, que mais essa obrigação não recaia
sobre os professores.
Esse
acúmulo de funções possui uma relação intrínseca com a romantização da
profissão, que parece, muitas vezes, uma das que mais exigem amor e doação. O
professor brasileiro é visto como um herói, provavelmente da Marvel, pois, não
coincidentemente, em algum momento da vida, foi “picado pelo mosquito” para
escolher a profissão, ou ser escolhido por ela, como dizem os mais apaixonados.
Essa analogia como super-humano não se aplica necessariamente aos docentes
universitários. Embora também sobrecarregados, eles possuem, de maneira geral,
melhores condições de trabalho e, principalmente, remuneração, em comparação
aos colegas que lecionam nas escolas públicas municipais e estaduais de ensino
fundamental e médio.
*Allysson
Martins é jornalista, professor e pesquisador do MíDI – Grupo de Pesquisa em
Mídias Digitais e Internet da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).
Fonte: MIDI - UNIR
0 comentário
Postar um comentário
Deixe seu comentário, sugestões, críticas, será um prazer responder você.