Ensino
à distância, por mais um ano, uma catástrofe anunciada. O Ministério da
Educação descobriu a automação na educação. O ensino à distância não é
conhecimento, são doses homeopáticas de informação fragmentada. Transforma o
professor num instrumento de um computador que comanda programas, conteúdos e
tempos de trabalho.
O
professor passa a ser um apêndice da máquina, qual Chaplin nos Tempos Modernos.
Vai aumentar por isso o burnout, a alienação, a tristeza, é o
professor-operário que abre um teste padronizado de cruzinha e os alunos
respondem, preparados para o mercado, ou seja, a futura linha de montagem onde
vão ser inseridos. Expropria o professor do ser criativo e proletariza-o ainda
mais, além de destruir a sua vida pessoal, familiar, e de alunos. Transforma a
casa numa unidade produtiva.
Naomi
Klein, intelectual norte-americana, explica na sua Doutrina de Choque como os
Governos usam catástrofes para aplicar medidas que, antes das catástrofes,
seriam inaceitáveis para a população.
A
era da automação no ensino chegou e vai permitir, se não houver resistência, ao
Ministério da Educação enfrentar a sua maior crise – a falta de professores
massiva. Porque, em todos os países onde está a ser introduzido o “Ensino
remoto”, aumenta o número de alunos por professor/computador (sim, passa a ser
o professor-computador).
Os
alunos – mamíferos relacionais -, não vão conseguir adquirir conhecimento
algum, porque o conhecimento depende da relação emocional e colectiva que se
estabelece – vão adquirir apenas informação que podem ver no google.
Não
por acaso Nuno Lobo Antunes explicou que os alunos com espectro do autismo
dão-se bem neste formato à distãncia – porque são alunos cujo relacionamento
preferencial é com coisas, e o computador não é uma relação humana, é uma
coisa. Com o ensino à distãncia coisificamos assim professores e alunos (tão
pouco fará bem aos que têm este espectro, mas fará muito mal a todos os
outros). Amamos um computador ou amamos quem abraçamos, cheiramos, sentimos?
Entretanto
vendem-se Ipads, softwares, em massa comprados pelos Municípios com os nossos
impostos, e, cereja em cima do bolo, os dados destes “ensino” são
automaticamente entregues às empresas de estudos de mercado (alunos em Portugal
já estão a usar testes na escola pública elaborados não por professores mas por
empresas privadas).
Este
é o admirável mundo novo da automação do trabalho, agora é por mais um ano em
“modelo complementar”, trata-se de facto da privatização total do ensino
através destas parcerias e da redução de custos com os professores. Vai gerar
um mercado com fundos públicos através destas parcerias, diminuir o défice
pagando menos a professores, e criar mais uma geração expropriada de saber e
conhecimento, depender de computadores – preparados para o novo mercado laboral
automatizado.
Finalmente
todos os estudos provam que mais do que 2 horas de ecrans diários por dia nas
crianças e jovens tem feitos neurológicos graves, como é possível o Ministério
impor ou autorizar 30 minutos que sejam de ecrãs em crianças cujo dia já é
passado, fora da escola, enfiado em casa, sós, com telemóveis, obesos,
dessocializados, hiperestimulados e deprimidos?
A
pergunta é, o que aconteceu aos sindicatos, às associações de pais e aos alunos
para deixarem esta medida ser anunciada como um facto sem discussão e tudo em
nome de uma pandemia?
Nem
por um ano, nem em modelo combinado. Nunca devia ter existido estes dois meses,
e jamais devia existir para o ano, mesmo que parcialmente. A não ser que o
projecto em curso seja o da total destruição do bem mais precioso que temos, os
seres humanos que aqui residem e cuja humanização depende da educação e das
relações sociais reais que estabelecem ao longo da vida.
Ensino à distância
não é ensino – é automação da força de trabalho presente (professores) e futura
(alunos).
Nota pessoal: sou professora de adultos, sempre que posso ensino os
meus alunos em jardins, a andar a pé (sou piripatética), com jantares e almoços
de fim de aulas, idas a fábricas e empresas e estaleiros, às vezes em excursões
pelos locais de trabalho ou dentro de sindicatos. Não escrevi este texto pela
minha experiência pessoal, que vai manter-se peripatética, relacional, e feliz.
Mas porque conheço através dos nossos trabalhos de estudo colectivo no
Observatório para as Condições de Vida e Trabalho o que são as condições de
trabalho no mundo em que vivemos, e sobre o qual fizemos amplos estudos. Está
em curso um gigante processo de reconversão capitalista da força de trabalho
rumo automação, é isso que deve ser debatido, e combatido. Aliás devo estas
reflexões que coloquei acima aos meus colegas do Observatório, Lorene
Figueiredo, Roberto della Santa, Virgínia Baptista, Duarte Rolo, Roberto Leher,
entre outros. Fonte: RCV
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